5 de dezembro de 2009

Deus de plástico

Você lembra o comercial de TV do menino incrível que fazia escândalo no supermercado para que a mãe comprasse vegetais? Na vida real vemos coisas igualmente surpreendentes, só que muitas vezes não nos damos conta delas.

Conheci alguém que vivia uma vida com um certo “pecado de estimação”. Mas afinal, quem não vive? Conveniência leva a muitas loucuras e coisas sem sentido, mas aos poucos, sorrateiramente. E nada melhor para atiçar o desconforto do que, estando nessa situação, se aproximar de um Deus que exige santidade – ou deixar que ele se aproxime de você.

Os dentes amarelados ficam ainda mais amarelados diante da "escala de brancura" daquela pasta de dente... Diante da santidade de Deus, os ânimos se perturbam, as excusas se multiplicam e os pecados são ressaltados, mesmo se vistos e acalentados como coisas de somenos, banalidades, e, sobretudo, quando “não prejudicam ninguém”.

Adão, após haver desobedecido a ordem divina, ao ouvir a voz de Deus, respondeu: “ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi”. Caim, depois de ter assassinado barbaramente seu irmão, respondeu a Deus, que havia perguntado onde estava Abel: “Não sei [onde ele está]; acaso, sou eu tutor de meu irmão?”

A cara de pau de Caim foi tão grande que ele não se arrependeu do seu ato, por mais torpe que seja matar alguém por sentir inveja. Ele se lamentou do tamanho de sua punição, não do tamanho de seu pecado.

Adão foi mais enxerido e tentou arrumar em quem pôr a culpa. Detrás da moita, sabia que a mulher devia estar em outro arbusto por ali, toda encabulada e dando risadinhas nervosas, fazendo uma mini-saia de folhas e contando os dedos dos pés repetidamente sem saber mais o que fazer: “Deus, er... é que tinha uma morena aí, e ela...”

E a mulher também, com vergonha de ter servido de pedra de tropeço, já contando os dedos dos pés de trás para a frente, olha para Deus duma brecha da moita, sem saber o que dizer, pensa no “Passa ou Repassa”, não sabe o que responder e... “Eita! Agora é minha vez...” – pensa. E responde: “REPASSA!”. No fim das contas, de Adão até hoje a gente “paga” por isso de várias formas. Correr, esconder-se e inventar simplesmente não colam.

Mas saindo do Passa ou Repassa do Éden e voltando à pessoa do início, não me lembro de ter falado nada a respeito da condenação de Deus com ela. E nem precisava! Pois sempre desabafava sobre a discriminação exagerada que sofrera por frequentar uma igreja dita cristã (fato que lhe trouxe profunda mágoa contra a cristandade: tanto que passou boa parte dos anos seguintes tentando apenas justificar seus erros contra a igreja, e não corrigi-los). Seu pecado foi uma reação a outro pecado de que foi vítima. Mas se prolongou e se repetiu tanto que perdeu a importância. Enfim, não era crime. Então, quem liga? Deus? Ã-rã!

Daí só restam duas opções: encarar ou correr. Só tem um problema: como o homem pode correr de um Deus que está em todo lugar e em todo o tempo, inclusive em sua mente, já que “nele nos movemos e existimos” e em suas mãos repousa todo o universo?

Mas para quê, afinal, querer se conformar ao Deus exigente da Bíblia, ou a Jesus Cristo, se você pode criar o seu próprio deus, viver da maneira que deseja e ainda ser aprovado por ele? (Essa é uma das formas – inúteis – de correr. E é sem futuro, não é? Verdade, mas normalmente só se percebe essa ação quando é dito de forma clara.)

“Avelar, eu não acredito nesse seu Deus cruel, que pune o fato de eu querer viver assim. O meu deus é amor, é bom, perdoa e está feliz com eu estar vivendo nisso que chamam de “adultério”. Ele não vai me punir. Ele entende que o que faço – e a igreja condena – é de boa fé, é movido por amor sincero. Eles não ligam mais para o casamento! Vivem separados. Então meu romance com um deles não pode ser visto como pecado porque eu a amo e ele não a ama. Não estamos fazendo nada secreto. Você quer dizer que Deus condena isso? Seu Deus não existe!”

O “eles” não ligarem mais para o casamento ou o adultério tem alguma coisa a ver com Deus não ligar mais para o casamento, o adultério ou os votos professados diante dele de “até que a morte os separe”? Deus é bem claro sobre o que pensa sobre casamento e fidelidade. E nossa concordância é irrelevante quanto a este fato.

“Você não está vendo que você acabou de dizer que crê num deus que está tentando criar?” – respondi. “Cada uma das mais de seis bilhões de pessoas que habitam esse planeta poderiam criar um deus à sua própria imagem, um deus do jeito que querem. Crer num deus assim, do qual você define as características e a essência, seria de algum préstimo?

“Pense nisso: se você perguntasse a cada pessoa desse mundo, elas seriam quase unânimes em dizer que, apesar das diferenças de nomes, todas serviriam ao mesmo Deus, apesar de que crêem que “seu” deus pensa de formas diferentes! Dá para perceber a falta de lógica disso? Crer num deus à minha imagem é crer em algo que eu inventei e que, de fato, não existe.

“Você acha o Deus que mandou seu próprio Filho para nos salvar dos nossos pecados e suas consequências cruel? O Deus que deseja verdade, justiça, misericórdia, e amor, que abençoa o matrimônio, a família e a sociedade e condena o egoísmo? O Deus que não tem prazer na morte do perverso e que deseja que ele se arrependa e viva?

“Desculpe-me... seu deus “conveniente”, que não considera e pune o pecado porque lhe convém viver na prática dele, você acabou de inventar. Além de inventado, é injusto, e não inspira nem um pouco a vontade de se tornar uma pessoa melhor, comprometida com ideais de perfeição e santidade. É o deus ideal para que, servindo-o, você se torne cada dia uma pessoa mais sem caráter, sem princípios, sem rumos, e, no fim da vida, talvez, terminar como um monstro que escarnece das virtudes e sobeja o próprio ego por ter apenas alimentado-se de pecado, erros e conveniências a cada dia. Seu novo deus recém-criado, resumindo, é de ‘plástico’.”

Interessante. Eu estava falando dia desses com um amigo sobre a idéia de querermos um Deus justo para punir os pastores ladrões, os políticos corruptos, os adúlteros que destróem famílias – “os grandes pecadores” – mas não queremos um Deus que condene nossos “pecadinhos”... um Deus que não quer que eu baixe MP3 sem pagar pelo trabalho alheio, que não gosta de mentirinhas e fofoquinhas, que não quer que eu gaste meu tempo excessivamente com diversão negligenciando coisas importantes, que não quer que eu imprima textos alheios dizendo que são meus para servir de trabalhos escolares, que quer que eu dê ofertas, esmolas e lute por interesses alheios, coletivos; que não quer que eu enrole as pessoas para fazerem o que eu quero, que quer que eu seja santo por fora e por dentro, que quer que eu seja decente e leal, que quer que eu saiba escutar críticas fundadas contra meus comportamento, que quer que eu prefira os outros em honra e que eu saiba me conformar com o que é certo - mesmo com prejuízo meu.

Nossa idéia de Deus é que ele é bom - é a idéia de todos - mas que ele seja conivente quando sou eu quem faço algo mau. Um deus conveniente para mim, mas implacável para com os outros.

Esse Deus existe? Tem gente que jura que sim.

3 comentários:

Cristina Danuta disse...

E juram de pé junto!
É mais fácil criar um deus que se amolde ao meu querer, do que me submeter a um Deus que é amor, mas que também é justo. A graça de Deus nos constrange, nos faz ver quem somos de fato. (ando lendo Manning..rs)

OBS: Adoro essa propaganda.=)
Abraços

Avelar Jr. disse...

O texto foi baseadíssimo em fatos reais. A gente vê cada coisa!

Anônimo disse...

Ótimo texto, Avelar!!!!!!!

Deus não muda de acordo com as circunstâncias, as opiniões, os gostos, as vontades, as pessoas, os lugares, as ocasiões... Ele simplesmente não muda; se mudasse, não seria Deus. Quando o homem que moldar um Deus de acordo com as suas vontades, o homem vira Deus e Deus vira criatura. Ele é o mesmo ontem, hoje e será o mesmo eternamente.

Em Cristo,
Débora Silva Costa
http://ferazao-bang.blogspot.com/

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