12 de março de 2011

Mediocridade, uma conveniência evangélica

Estava pensando hoje ao acordar como os evangélicos pensam pequeno. Acredito que o pensamento medíocre seja um dom altamente desenvolvido em nosso meio, inconscientemente, mas não um dom vindo da parte de Deus, visto que deixa de lado a sabedoria e, muitas vezes, o temor d’Ele.

Lembrava-me de como não temos visão para movimentarmos mundos e fundos para erguer um orçamento de mais de um milhão de reais porque “Mr. Sicrano Máximus”, grande pastor conferencista de televisão, queria fazer uma apresentação de dois dias num megapalco, em uma grande cidade brasileira, a pretexto de pregar o evangelho. Penso o que esta mesma quantia poderia fazer a curto, médio e longo prazo se distribuída entre vários missionários que estão passando dificuldade na África e em outros países da América do Sul, enviados por igrejas realmente interessadas em missões, principalmente levando-se em conta que, em muitos desses lugares, o câmbio faria o dinheiro render ainda mais.

Às vezes concentramos todo o esforço num megashow de dois dias, interessados em que muitas mãos sejam levantadas e contadas, e que a cifra dessas “conversões” seja alta o bastante para nos fornecer um atestado de espiritualidade e serviço cristão para que os críticos possam ver, uma estatística interessante para que os fãs possam se gloriar e para que os colaboradores não se desanimem.

Não nos ocorre que aquelas pessoas depois de levantar as mãos, impelidas por emoção, depois de uma apresentação onde se fez de tudo para que elas chorassem e deixassem a razão de lado para “aceitar Jesus”, vão voltar a pensar uma segunda vez, parar de chorar e, possivelmente, não ter impacto algum. Não nos importa que elas não pensem no que vão ter que renunciar ou sofrer para seguir o mestre, nem que calculem o preço de deixar tudo para não ter que desistir no meio do caminho (Lucas 14-26-33); tampoco queremos saber quem irá lhes ensinar a ser um discípulo, depois da queda dos confetes, transmitindo-lhes tudo o que ele havia ensinado.

Em se tratando de coisas assim, quanto menos se pensa, melhor para quem lucra.

O show terminou. Já temos a estatística. Já temos um laurel. Por que achar que fazer missões é fazer discípulos (ensinando-os, batizando-os, ajudando-os a descobrir e desenvolver seus dons, oferecendo-lhes apoio em suas necessidades materiais e espirituais...), se eu posso [convenientemente] pensar que basta transmitir o “Plano de Salvação” e manda-lo embora com um sorriso no rosto e lágrimas nos olhos, abandonando o prospecto discípulo ao Deus dará?

Há alguns anos, vi uma cantora evangélica que, tendo em vista o anúncio de um iminente contrato dela com a Som Livre, atacou dizendo que os evangélicos invadiriam a mídia secular, que haveria novelas evangélicas (juro que quando vi o vídeo explodi em gargalhadas, imaginando a breguice que seria; porque evangélicos sempre gostam de fazer um "genérico santificado" para si das coisas que invejam do “mundo”, atestando contra si que este consegue fazer quase tudo com uma qualidade melhor, só que  irremediavelmente “mundano”, para que justifique fazer-se uma cópia barata gospel para os crentes). Obviamente os fãs colheram esta “pérola” como uma profecia de “cousas ocultas... mistérios...” vinda do Espírito Santo...

Entretanto, na época anterior à da “profetada”, Aline Barros já tinha contrato com a Som Livre e já tinha passado em vários programas de TV (inclusive na “Rede Esfera”); pastores e igrejas já tinham jornais, rádios, canais de televisão e horários adquiridos da grade de canais não-religiosos (nos quais alguns religiosos gospel já passavam mais tempo que gado no Canal do Boi ou propaganda da TekPix - virando o relógio, mas não o disco, quando o assunto é pedir mais e mais dinheiro). Se os católicos de sucesso vez por outra sempre passaram na mídia secular sem fazer alarde de pobre besta quando fica rico, lógico que os evangélicos já estavam a caminho inevitável disso, como o próprio cenário demonstrava em simples observação, pois se a população evangélica cresce... 

Profetas do óbvio são dispensáveis e não são profetas, mormente quando fingem ser. Não precisamos desses exemplares, mas, urgentemente, de babás.

O que me deixa triste é por que os evangélicos invejam tanto a fama e a oportunidade da mídia secular quando temos potencial para fazer muito melhor sem ela. O alcance que a mídia televisiva tem de público não é tanto quanto podemos atingir se apenas fizermos nosso papel, vivendo como servos de Cristo em nossa família, nosso local de trabalho, nossa vizinhança, no relacionamento com pessoas desconhecidas e nos campos missionários...

A televisão não tem o poder de fazer um amigo, de conhecê-lo profundamente e por anos, de compartilhar momentos bons, ruins e uma boa palavra, de cuidar ou de amar. A televisão não pode interagir, escutar seus problemas, trazer um bom conselho na hora em que você precisa, ajudar-lhe com suas necessidades prementes, nem mostrar-lhe, na prática, um pouco de Deus.

Eu questiono seriamente esse querer demais o que o mundo pode dar, quando Jesus recusou as tentações de autossuficiência, fama, poder, riqueza e glória deste mundo que Satanás lhe fez. Para quê eventos públicos caríssimos, de questionáveis resultados espirituais, e o desespero por utilizar-se a ferro e fogo da mídia secular, que com ela traz todo um pacote contratual que limitaria nossa liberdade cristã de pregar o evangelho como ele de fato é, exigente  e exclusivista?

De acordo com Mateus 28.19-20, temos a missão de fazer “discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que eu [Jesus] vos tenho mandado.”

Mas parece que estamos apenas torcendo para que meia-dúzia de ídolos gospel, a quem delegamos nosso papel de louvar, engrandecer a Deus e fazer discípulos, o façam na caixinha boba de elétrons em nosso lugar, para que o mundo veja seus brilhos, polichinelos, mortais de costas, bordões toscos, quedas, gritarias, gemidos, urros, imitações de animais e holofotes seculares alugados, e, quiçá, no futuro, também, suas cafonas novelas farisaicas que mostrariam a vida “gospel” limitada a coisas imitadas do “mundo” - para mais desgraça e vergonha nossas.

É bem conveniente mesmo para nós, evangélicos, abdicar do nosso mister de discípulos e estabelecer e financiar “representantes” que o sejam em nosso lugar, mesmo que eles tenham modos excêntricos e questionáveis – basta que sejam a única casta do nosso meio que goze de “intocabilidade ungidástica”, do mesmo jeito que os deputados gozam de imunidade parlamentar, só que... “gospel”. 

Outro problema é que nossos “representantes” não fariam, como não fazem a contento, nosso papel de pregar a verdade como ela é: pois a verdade desagradaria uma parcela do mercado consumidor dos produtos deles, e eles deixariam de lucrar mais. Mas, não  precisaríamos nos apoquentar, nós (re)compensaríamos isto – como já o fazemos – enriquecendo-os pela compra de seus CDs, DVDs, livros, bonecos, chaveiros, cadernos, garrafinhas de água, relógios de pulso, camisetas, bonés...

Por Avelar Jr.

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