31 de outubro de 2010

Deixando de Brincadeira


Conheço um genuíno servo de Cristo. Uma pessoa que realmente se preocupa com as coisas de Deus e com a vontade dele em sua vida. Conversamos bastante. Ele havia sido muito religioso, fanático, bem visto em seu meio, prestigiado e popular —um líder. O problema é que o meio que o acolhia tão bem era fanático, herético, frenético, ávido por novidades e estrelas ministeriais e despido de conhecimento de Deus e de sua palavra. Eles se moldavam um ao outro: cegos guiados por cegos andando para o abismo.

Com o tempo, Deus abriu seus olhos. Ele percebeu que estava num pedestal de glória humana, cheio de religião e sensações mas vazio de verdade. Vestiram-lhe a fantasia de super-herói. E ele se deixou vestir e dominar pelo personagem, pela máscara e pela canção da roda. Ao contemplar a verdade, sua atitude mudou. Tornou-se discípulo, aprendiz e encontrou seu lugar de servo.

Findaram-se sua liderança, seu programa de rádio, seu sucesso ministerial. Pagaram-lhe com preconceito, ingratidão, incompreensão e ostracismo. Mas que importa? O Dia das Bruxas passou! Deus mudou-o de sua máscara e de seus trajes espalhafatosos que faziam a alegria dos meninos em uma completa novidade de vida, nunca antes experimentada. E o que antes era noite de “gostosuras e travessuras” deu lugar à dura carteira do discipulado diário do Mestre Jesus.

E ele às vezes se sentia triste e se perguntava: Onde está aquele calor que eu sentia? Onde as emoções arrebatadoras? Por que tudo parece tão frio e distante? Os aplausos, os cumprimentos, o assédio, a euforia, os folguedos... Num momento tudo se calou na simplicidade e na calmaria do úmido alvorecer.

Começar cada manhã parecia trabalhoso (— Só mais cinco minutos, por favor!). Agora levantava sozinho para ir à escola. E já não tinha mais consigo aqueles cuja noite de Dia das Bruxas não tem fim, que se contentavam em brincar com suas fantasias, com suas roupas de mentiras, esperando ganhar doces por se vestirem delas.

Mas ele sabia que, embora fosse difícil acreditar, não estava só. Pois seu Mestre lhe sorria no oculto e lhe oferecia um pouco de sua companhia em cada momento, em cada brisa, em cada canto de pássaro, em cada nota musical, mesmo no silêncio; na brisa refrescante e em cada flor que coloria e perfumava o caminho. Era difícil se desembriagar, se desacostumar, quando tudo agora parecia tão simples e tão diferente, tão menos óbvio. Era triste não sentir o sabor daquilo que parecia doce mas que era apenas uma brincadeira de menino.

Estava acostumado a pensar que vivia a mil por hora quando, na verdade, nunca havia saído do lugar. Enxergar e deixar de brincadeira faz mesmo muita diferença.

17 de outubro de 2010

Como alguns evangélicos enxergam a Bíblia...

Estava vendo mais uma daquelas infindáveis discussões sobre programas de TV em que alguém demoniza qualquer programa que não seja "gospel", achando-se, por isso, mais santo que os outros, que estariam sob "influência satânica" por gostarem de ver uma comédia decente (você já deve ter visto debates assim com o assunto música). Todavia, a Bíblia é clara quanto à necessidade de saber discernir cada coisa e escolher bem.

"Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma." 1 Coríntios 10.23

Tem uma passagem na Bíblia que diz:

"Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai. O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso fazei; e o Deus de paz será convosco." Filipenses 4:8,9

Alguns evangélicos (outros religiosos também, mas não neguemos nossa "pole position" nisso!), entretanto, no afã por viver uma santidade artificialmente projetada, limitada aos ensinos de seu gueto ou mesmo às suas próprias opiniões, alheios a qualquer forma de arte, pensamento ou obra por melhor que seja, talvez enxerguem a mesma passagem como proibitiva de toda e qualquer influência externa, mais ou menos assim:

"Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é GOSPEL, tudo o que é GOSPEL, tudo o que é GOSPEL, tudo o que é GOSPEL, tudo o que é GOSPEL, tudo o que é GOSPEL, se há alguma GOSPELEZA, e se há algo de GOSPEL, nisso pensai." Ungidenses 4:8

Parece que fora da vida na bolha gospel não há salvação.

Eu me pergunto se esse povo estuda matérias não religiosas, conversa com outras pessoas sobre assuntos normais da vida, lê livros não espirituais, revistas, partituras, rótulos de produtos, bulas de remédios, blogs e jornais, consulta calendários e dicionários, entra em lugares que não sejam templos, toma refrigerante, confecciona listas de compra, canta "Parabéns a Você" em festas de aniversário e joga UNO... (Mas eu não me pergunto se entra no Orkut porque eu já vejo: o Orkut é de Deus, principalmente se for para espalhar boatos contra candidatos a cargos políticos.)

Esse pensamento exclusivista de que tudo que não é "gospel" é mau representa um injusto e leviano julgamento do que é alheio, considerando-o automaticamente nocivo e sem proveito, e isentando-nos da necessidade de sermos criteriosos e maduros, sabendo avaliar todas as coisas e reter o que é bom ao mesmo tempo que influenciamos para que as coisas glorifiquem a Deus e tornem o mundo melhor do que o encontramos.

É como se simplesmente ter prazer em coisas "não-gospel" fosse demoníaco, pecaminoso, não edificante e rendesse milhas aéreas para uma passagem compulsória de primeira classe para o inferno. E como se alguma coisa tivesse que ser chata ou pelo menos não divertida - e ainda por cima "gospel" - para ser automaticamente boa e edificante...
(veja Romanos 14.1-17)


[atualizado dia 17 de outubro de 2010]

7 de outubro de 2010

Toda ouvidos?

Esses dias fui a uma consulta médica de rotina num hospital elogiado pelas pessoas de minha região, e, no setor de cadastramento de pacientes conveniados, que me desapontou um pouco, percebi que havia uma caixinha de sugestões para que os clientes pudessem se manifestar a respeito do serviço. Lembrei-me de uma conversa que tive com uma irmã que era membro de uma igreja bem diferente da minha em termos de estilo de louvor e culto.

Ela disse que não se sentia muito bem na minha igreja porque achava muito parada e diferente; e eu, que também não me sentia muito à vontade na dela, cujo barulho me desconcentrava e me atrapalhava em orar. (Eu poderia ter levantado mais defeitos em sua igreja, mas apontei apenas aquele que se contrapunha ao que ela apontou na minha. Convenhamos... há igrejas para todos os tipos de crentes - ainda bem!)

Nossas igrejas normalmente fazem o possível para que tenhamos conforto na hora de adorar e nos sintamos bem. Algumas vão muito longe: querem agradar a todos tanto que, por vezes, já nem pregam mais o evangelho, mas apenas aquilo que seu público busca ouvir, aquilo que parece simpático; cantam aquilo que é sucesso nas paradas, sem levar em conta a sanidade das letras, a ordem na utilização dos instrumentos musicais e a decência em cultuar; criam sistemas de adoração e culto bizarros, baseando-se no princípio de que o público entretido sempre retorna e aumenta.

(Já entrei numa igreja, inclusive, que parecia que fazia uma campanha do tipo “todo mundo traga seu instrumento de casa, toquem-nos todos ao mesmo tempo, e vamos ver o que sai”... Não dava para saber o que estavam cantando direito porque as vozes eram abafadas.)

Voltando à caixinha... Eu ainda não vi uma caixinha de sugestões colocada perto da porta de um templo, mas quem sabe essa não seja já uma postura em algumas igrejas? Não que seja mau, muito pelo contrário, pois sugestões de melhoria são sempre bem-vindas. Mas, e quando as igrejas tratam seus membros como verdadeiros clientes e consumidores de seus serviços de fim de semana? Complica. Porque “o freguês tem sempre a razão”.

O público, no geral, exige, demanda –claro – até porque está “pagando”. Então, digamos que as sugestões dessas caixinhas viessem a ser cada vez mais malucas e antibíblicas... A maluquice e a heresia nunca precisaram ser sugestões em igrejas. Bem sabemos que elas só precisam de uma brecha, de uma oportunidade, e se consolidam com um aplauso. Estamos vendo claramente que o culto a Deus está se voltando ao homem, e não a Deus.

Mas o que pretendo destacar é: Será que as igrejas estão preocupadas com o que Deus acha do serviço delas mais que com aquilo que as pessoas que frequentam ou visitam templos pensam?

(É óbvio que seria bastante estúpido construir uma caixinha de sugestões em forma de nuvem junto à porta da igreja e esperar que Deus fosse lá inserir um tablete de pedra com sua vontade gravada nela. Mas, do jeito que a coisa está, eu não duvido também que alguém não já o tenha feito).

Será que as igrejas estão abrindo a “caixinha de sugestões” (para não dizer o “livro de mandamentos” - vulgo: Bíblia) d’Aquele que efetivamente é o dono do serviço, quem o receberia (ou não), e que, por isso mesmo, teria o direito de reclamar, em primeiro lugar (o qual é mais conhecido como Deus)? Ou estão dançando conforme os apelos dos seus frequentadores?

Neste caso, sabemos que a igreja estaria sem rumo, guiando-se por opiniões pessoais (que não são a “voz de Deus”), enquetes, idiossincrasias e vontades voláteis... desprezando o Senhor, o “manancial de águas vivas” e cavando “cisternas, cisternas rotas, que não retêm águas”. (Jeremias 2.13) ...Olvidando-se. Perdendo-se em caprichos...

“Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” (João 4.23-24)

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