22 de dezembro de 2009

A Intimidade e o Sinal Amarelo - Parte 1

Conversando com uma amiga do Ceará que morou em outro estado por algum tempo, ela me contou que o jeito cearense de ser amigo lhe causou certos problemas por lá. “Cearense perde o amigo mas não perde a piada”, dizemos por aqui, e em alguns casos pode se tornar mais que um simples provérbio ilustrativo do nosso humor irreverente.


Não só aqui, mas, eu creio, em muitas partes do país, temos a mania de tratar as pessoas próximas "muito mal". Isso acontece em casa, na igreja, no trabalho e na roda de amigos. Certos adjetivos, invocações, expressões, brincadeiras e comportamentos que temos com pessoas íntimas não são recomendáveis para com todas as pessoas, e podem levar a mal-entendidos e causar sérios problemas.

Intimidades trazem certas “licenças”, licença para criticar, ofender e falar verdades de forma não utilizáveis com os de fora do grupo. E o hábito de tratar as pessoas assim, diariamente, amortece nossa sensibilidade quanto ao impacto de nosso comportamento. É aí que mora o perigo.

É comum vermos pessoas no âmbito familiar adocicando seu cotidiano com mimos como "Sai do meio, seu abestado! Não está vendo que eu quero passar, não?". Ou então um "Essa lesada aí fechou a porta do carro no dedo e ficou chorando! Hahahaha!"... Ou "Ei, palhaço, vem aqui ligeiro!"

Normalmente tais brincadeiras entre amigos, além de não constituírem ofensas ou mágoas, principalmente quando ditas e percebidas em tom de brincadeira, ainda são retribuídas carinhosamente, às vezes com risadas de cumplicidade.

Pois bem, aquela amiga de que falei disse a alguém por quem ela nutria muita consideração “Deixa de ser besta!” Resultado: ela foi mal-interpretada, a interlocutora ficou magoada e ela quedou muito triste com a situação (porque a pessoa não entendeu que ela não queria ofendê-la).

No trabalho, um colega que costumava trocar vocativos atípicos comigo (era costume do local) me chamou de “safado” na frente de uma funcionária novata, e ela se espantou (a gente se tratava por “safado”). Ela reagiu bruscamente, afastando-se com a mão no peito e cara de choque, como se pensasse que ali começaria uma briga entre nós. Quando ela viu que percebemos a reação dela, e que era brincadeira nossa, todos caímos na gargalhada. Nem sempre você tem licença de ser amigo demais na frente dos outros – por mais que seja – e foi até bom que isso acontecesse para aprendermos uma lição e termos mais cuidado com os tratamentos.

Entre amigos também existem as gírias do grupo, que eu tento combater no meu linguajar e confesso ser difícil demais. Alguns amigos e amigas meus, por exemplo, se tratam por “Ei, macaco!” – isso me chocava. Hoje não me choca mais porque eu já sou um “macaco”. Mas não soa estranho para quem nunca ouviu?

Antes me diziam que eu era “formal demais”, mas com o tempo eu acho que exagerei pro outro lado, passando a chamar todo mundo de “bicho”. Só percebi isso quando orei um dia, revoltado, e desabafei com Deus usando essa terna e respeitosa fórmula de tratamento para ele. Enfim, isto é uma vergonha!

Ok, ok. Intimidade demais e mal-costume reiterado trazem consigo a necessidade de estarmos alertas a como estamos tratando as pessoas, e como estamos tratando Deus. Talvez a gente nem pense nisso muito, mas deveria.

Excessos de “intimidade” nos relacionamentos podem levar a sérias e chocantes consequências para quem está à nossa volta, que observa o nosso comportamento e espera de nós um procedimento, no mínimo, decente. E o que isso tem a ver com cristianismo? Tudo.

18 de dezembro de 2009

Cantorino - Parte 2 + Mensagem de Natal

Para entender o texto, você terá que ler a primeira parte de "Cantorino", publicada dias atrás.  : )


...


O pastor estava arrasado: preocupado porque os membros ameaçaram passar o Natal em outra igreja ou viajar – houve quem inventasse até “retiro de Natal” para faltar no dia da cantata de Cantorino. Foi um desespero pastoral, um salve-se quem puder eclesiástico.


Mas a gente é de Deus, né? A gente não vai deixar o irmão sozinho só porque ele canta "terrivelmente horrível"! É nessas horas que a gente se analisa: eu canto mal e não tenho a coragem dele. Ele tem coragem, e, por arriscar, ele está coberto de razão, porque vai com a maior pureza de intenções louvar ao Senhor...


Chegando o dia, a congregação quedava aflita, paralisada. Para tentar salvar a noite, quer dizer, os ouvidos da congregação, levantou-se um dos diáconos:


"Irmãos, eu gostaria de agradecer a Deus por muitas coisas que aconteceram este ano dando um breve testemunho". E logo após a congregação começou a fazer o mesmo, pois, um por um, os irmãos se sucediam indo ao microfone partilhar as bênçãos. O que antes começou como uma maneira de não ser fulminados pela cantata desafinada - motivo pouco nobre - levou os irmãos a uma mudança de atitude e um sincero louvor.


Cantorino se emocionou com o ocorrido, pois nada lhe deixava mais contente que ver o nome de Deus engrandecido. Em lágrimas, agradeceu pela vida dos irmãos, que também se comoveram com a espontaneidade daquele que antes era visto como uma piada pronta, apenas porque cantava mal. Tocado e com voz trêmula, ele não pôde mais cantar, e desistiu da cantata. Mas não havia problema para ele, o objetivo de estar lá havia sido alcançado, a glória de Deus. ...Também a meia-noite se aproximava e algumas tripas já estavam roncando demais, esperando a Ceia.


Por fim, os irmãos não quiseram estragar o Natal de Cantorino, ele não merecia. E, depois de algum burburinho nos bancos de trás, decidiram dar-lhe um presente: investir num dos dons do irmão, pagando para ele um curso de canto e música. E assim, todos terminaram felizes.


Nossos irmãos hipotéticos aprenderam como agir bem diante de coisas boas mas que nos deixam desconfortáveis, como ser cristãos, como ser humildes e como reconhecer grandes coisas que não estão tão óbvias na simplicidade.



"O anjo, porém, lhes disse: Não temais; eis aqui vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo: é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor." - Lucas 2.10-11


O Natal está chegando. E muitas pessoas, contentes com seus modernos presentes comprados em doze módicas prestações na Insinuante ou nas Casas Bahia, ou, mais chique ainda, na Submarino ou nas Americanas.com, nem vão lembrar de como Deus, sendo tão majestoso, lhes enviou o seu presente mais sublime na embalagem mais simples e austera.



Deus nos amou. Ele nos deu seu Filho, o qual, tendo nascido como um frágil bebê numa estrebaria, foi encontrado por pobres pastores de ovelhas deitado no mesmo local onde se punha comida para os cavalos comerem e os bois babarem; envolto em panos, esperado e amado por um pobre casal de judeus e por tantos que ansiavam a esperança de Israel.


O Grande Rei nasceu num berço de palha, mas traz em suas mãos o preço mais alto já pago, e o melhor dos presentes de Deus: a vida eterna... a nossa volta à casa do Pai, como filhos amados, em seus braços.


[Muito] Feliz Natal [mesmo]!

14 de dezembro de 2009

Cantorino

Estava escrevendo uma pauta para descontrair, e saiu um conto de Natal. O protagonista é ficcional e, com certeza, lembra alguém ou coisas que você já viu. Talvez vire uma série de contos com outros personagens. Talvez não. Peço que enviem sugestões e críticas.


Cantorino era um crente muito alegre, ele adorava louvar. Todo culto era um número especial, um momento inesquecível, irrepetível, tanto para os de sempre quanto para os visitantes.


"Louvor era ação. Ensaio era procrastinação." Instrumento às vezes atrapalhava. O homem era pura atitude. Ele não sabia o que era tom, melodia e ritmo, só o que era louvor. "E música é exaltação, é glória." Nota, para ele, era só Promissória ou de dinheiro. Desafinava, mas não desistia jamais.


O irmão adorava cantar no chuveiro, e no quarto, com a janela aberta para o muro alto (ele cantava na parte de cima do sobrado), no lajão e até na rua. Graças à sua voz potente e falta de musicalidade, dois gatos foram mais cedo, alvos mais que a neve, caminhar nas nuvens: atingidos de cheio por sua voz impactante e imbatível – eles caíram do muro e partiram para a glória felina. Os cachorros, com medo, já não passavam mais na rua: eles achavam que aquilo sempre acontecia quando eles passavam perto do lixo de Cantorino.


Os irmãos sempre usavam a desculpa de que não o ouviriam para que o ego do irmão não aumentasse. Mas não tinha jeito, culto é culto, e não poderiam sair do templo enquanto cantorino entregava seu louvor.


Nos primeiros versos entoados, viam-se semblantes de angústia, mãos trêmulas segurando os bancos, gente olhando para a porta como quem contemplava o fulgor dos portões do paraíso. O mero anúncio de que Cantorino se apresentaria a seguir levava muitas mãos aos rostos, cabeças a abaixarem-se e testas a se franzirem... E algumas vozes se alçavam em efeito dominó: “Volta, Senhor Jesus! Corre, Jesus, volta!” – e Cantorino ficava grato a Deus, porque a sua pessoa inspirava nos irmãos o desejo ansioso de todos pela vinda do Senhor (Para ele, humilde que era, isso era quase um avivamento em miniatura: mais um motivo para um servo cantar de alegria!).


Cantorino era ingênuo e doce, sempre pensava o melhor das pessoas. Mas os seus ouvintes não podiam mandar nos próprios sentimentos: a consciência pesava, dava vontade de rir e dava vontade de chorar a cada canção do entusiasmado cantador.


Quase esqueci de dizer que ele também tocava gaita – mal pacas! – diga-se de passagem. Uma vez ele foi tocar “Oh, tão cego eu andei e perdido vaguei longe, longe do meu Salvador”. O debate sobre a a música durou umas três semanas: os jovens argumentavam que era “Brilhando, brilhando, quero brilhar como a luz”, os demais ficaram divididos entre Castelo Forte e algum remix acelerado de “Manso e suave Jesus convidando”. Enfim, como ninguém conseguiu chegar a um consenso, inclusive as crianças começaram a defender que era “Pecado, pecadinho, pecadão”, optaram por deixar o assunto para o Tribunal de Cristo, pois nem Cantorino lembrava mais que cântico era para resolver, tamanho era o seu repertório instrumental.


O mais engraçado era que os hinos que ele tocava de gaita, principalmente os de cinco estrofes melodicamente iguais, careciam ser tocados por inteiro, e não dava pra saber em que estrofe ele estava porque a gente se perdia na contagem (não podíamos tapar discretamente os ouvidos e segurar o Cantor Cristão ao mesmo tempo pra contar).


Até que um dia, extasiado, cintilando, ele decide que apresentará uma cantata de Natal: uma cantata de um homem só... com uma hora de duração! O anúncio desabou meteoricamente num culto de domingo à noite, com igreja em peso, e ninguém ousaria contestar Cantorino em sua inocência.

E se você quiser saber como este conto termina, fique atento ao blog. A segunda e última parte virá em breve! ; )

11 de dezembro de 2009

$uper $anta Ceia Feliz


Cada dia que passa eu fico mais aterrorizado com as tendências da “gospelização” do evangelho. Tá, eu sei que “gospel” é evangelho em inglês e poderia ser redundante, mas não é em português. Estou usando esse termo para explorar a acepção comercial que ele ganhou ao substituir a palavra “sacra” no mercado fonográfico (música “sacra”; música gospel. Convenhamos: o “gospel” não é muito “sacro” hoje em dia); e também porque este termo ganhou uma penetração e popularização vertiginosa devido ao crescimento da população evangélica e do mercado voltado a esse segmento. “Gospel” sempre aparece nas embalagens de cacarecos evangélicos para vender. “Gospel” é “fashion”, vende, é “cool”, é “forward-looking” (termos em inglês, por alguma razão, sempre apelam mais para a simpatia dos consumidores, como os R$, 0,99 centavos no final dos preços). “Gospel” é diferente de "evangelho", que é cafona, quadrado, “coisa de crente” - por isso uso aquele termo no sentido pejorativo de “fé-comércio”.


O movimento “gospel” é repleto de novidades para não ficar obsoleto, e sempre apela com aquele quê de “você precisa disso”, usando Jesus como seu garoto-propaganda (Não o Jesus Luz, da Madonna), mas sem nenhum respeito ou reverência que lhe são devidos, a fim de conquistar os corações mais fervorosos e lucrar.


Sempre achei que desde que a discussão sobre a fermentação ou não do pão da Santa Ceia (que foi uma das razões para o Grande Cisma – a separação da Igreja em Católica e Ortodoxa, séculos atrás), esta ordenança teria ficado imune a grandes inovações teológicas e controvérsias. Entretanto, fiquei sabendo hoje que já existem pessoas pregando que a Ceia do Senhor seja abolida, e, lógico, baseando isto na própria Bíblia que nos manda celebrá-la!


Isso me lembrou de que, há algum tempo, ouvi falar de um pastor que acrescentou outros elementos simbólicos à Santa Ceia (que “antigamente” era celebrada com pão e vinho). “Felizmente”, alguns deles não chegaram a ser Fandangos sabor presunto ou Mentos e Coca-Cola. Mas, com que direito se modifica uma celebração que o próprio Jesus instituiu, em que o pão simboliza seu corpo e o vinho seu sangue, e que deveria lembrar-nos de sua morte voluntária para pagar a pena de nossos pecados, ao mesmo tempo que testemunhamos a fé na sua volta até que ela ocorra?


Ainda bem que não tem uma rede de "fast-food" gospel (Pelo menos eu não conheço nenhuma, mas, se houver, não me avisem!). Se não, com certeza, já teríamos notícias de uma “Santa Ceia Drive-Thru” ou de um telefone de encomendas para entrega em domicílio de um “Kit Melq(uesedeque) Super Santa Ceia Feliz”!


Mas é claro, lógico e evidente que um “Kit Melq Super Santa Ceia Feliz” somente teria valor memorial, e “unção”, se fosse ingerido com a família diante de um culto veiculado por uma TV a cabo “gospel”.


Com tantas ideias mirabolantes do meio evangélico, vindas de vários lugares, cada uma mais bizarra que a outra, e na velocidade da luz, a única coisa que me surpreende é que, até agora, não inventaram um concurso de “doutrinas” e “moveres” com premiação, reconhecendo o talento e a criatividade de indivíduos cujo engenho em aproximar a fé e o comércio, seguindo os moveres capitalistas dos “ungidos” desses Brasilzão (e dos States), os quais mexem uns milionésimos de porcento no nosso PIB e deixam, pelo menos, os seus consumidores e o Fisco muito contentes (isso quando não ocorre junto coisas como lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e evasão de divisas...).


Mas eu vou parando por aqui, que eu não quero dar mais ideias (e preciso registrar com a máxima urgência a patente destas antes que alguém o faça).

[Sugiro que leiam esse texto no Bereianos!]

5 de dezembro de 2009

Deus de plástico

Você lembra o comercial de TV do menino incrível que fazia escândalo no supermercado para que a mãe comprasse vegetais? Na vida real vemos coisas igualmente surpreendentes, só que muitas vezes não nos damos conta delas.

Conheci alguém que vivia uma vida com um certo “pecado de estimação”. Mas afinal, quem não vive? Conveniência leva a muitas loucuras e coisas sem sentido, mas aos poucos, sorrateiramente. E nada melhor para atiçar o desconforto do que, estando nessa situação, se aproximar de um Deus que exige santidade – ou deixar que ele se aproxime de você.

Os dentes amarelados ficam ainda mais amarelados diante da "escala de brancura" daquela pasta de dente... Diante da santidade de Deus, os ânimos se perturbam, as excusas se multiplicam e os pecados são ressaltados, mesmo se vistos e acalentados como coisas de somenos, banalidades, e, sobretudo, quando “não prejudicam ninguém”.

Adão, após haver desobedecido a ordem divina, ao ouvir a voz de Deus, respondeu: “ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi”. Caim, depois de ter assassinado barbaramente seu irmão, respondeu a Deus, que havia perguntado onde estava Abel: “Não sei [onde ele está]; acaso, sou eu tutor de meu irmão?”

A cara de pau de Caim foi tão grande que ele não se arrependeu do seu ato, por mais torpe que seja matar alguém por sentir inveja. Ele se lamentou do tamanho de sua punição, não do tamanho de seu pecado.

Adão foi mais enxerido e tentou arrumar em quem pôr a culpa. Detrás da moita, sabia que a mulher devia estar em outro arbusto por ali, toda encabulada e dando risadinhas nervosas, fazendo uma mini-saia de folhas e contando os dedos dos pés repetidamente sem saber mais o que fazer: “Deus, er... é que tinha uma morena aí, e ela...”

E a mulher também, com vergonha de ter servido de pedra de tropeço, já contando os dedos dos pés de trás para a frente, olha para Deus duma brecha da moita, sem saber o que dizer, pensa no “Passa ou Repassa”, não sabe o que responder e... “Eita! Agora é minha vez...” – pensa. E responde: “REPASSA!”. No fim das contas, de Adão até hoje a gente “paga” por isso de várias formas. Correr, esconder-se e inventar simplesmente não colam.

Mas saindo do Passa ou Repassa do Éden e voltando à pessoa do início, não me lembro de ter falado nada a respeito da condenação de Deus com ela. E nem precisava! Pois sempre desabafava sobre a discriminação exagerada que sofrera por frequentar uma igreja dita cristã (fato que lhe trouxe profunda mágoa contra a cristandade: tanto que passou boa parte dos anos seguintes tentando apenas justificar seus erros contra a igreja, e não corrigi-los). Seu pecado foi uma reação a outro pecado de que foi vítima. Mas se prolongou e se repetiu tanto que perdeu a importância. Enfim, não era crime. Então, quem liga? Deus? Ã-rã!

Daí só restam duas opções: encarar ou correr. Só tem um problema: como o homem pode correr de um Deus que está em todo lugar e em todo o tempo, inclusive em sua mente, já que “nele nos movemos e existimos” e em suas mãos repousa todo o universo?

Mas para quê, afinal, querer se conformar ao Deus exigente da Bíblia, ou a Jesus Cristo, se você pode criar o seu próprio deus, viver da maneira que deseja e ainda ser aprovado por ele? (Essa é uma das formas – inúteis – de correr. E é sem futuro, não é? Verdade, mas normalmente só se percebe essa ação quando é dito de forma clara.)

“Avelar, eu não acredito nesse seu Deus cruel, que pune o fato de eu querer viver assim. O meu deus é amor, é bom, perdoa e está feliz com eu estar vivendo nisso que chamam de “adultério”. Ele não vai me punir. Ele entende que o que faço – e a igreja condena – é de boa fé, é movido por amor sincero. Eles não ligam mais para o casamento! Vivem separados. Então meu romance com um deles não pode ser visto como pecado porque eu a amo e ele não a ama. Não estamos fazendo nada secreto. Você quer dizer que Deus condena isso? Seu Deus não existe!”

O “eles” não ligarem mais para o casamento ou o adultério tem alguma coisa a ver com Deus não ligar mais para o casamento, o adultério ou os votos professados diante dele de “até que a morte os separe”? Deus é bem claro sobre o que pensa sobre casamento e fidelidade. E nossa concordância é irrelevante quanto a este fato.

“Você não está vendo que você acabou de dizer que crê num deus que está tentando criar?” – respondi. “Cada uma das mais de seis bilhões de pessoas que habitam esse planeta poderiam criar um deus à sua própria imagem, um deus do jeito que querem. Crer num deus assim, do qual você define as características e a essência, seria de algum préstimo?

“Pense nisso: se você perguntasse a cada pessoa desse mundo, elas seriam quase unânimes em dizer que, apesar das diferenças de nomes, todas serviriam ao mesmo Deus, apesar de que crêem que “seu” deus pensa de formas diferentes! Dá para perceber a falta de lógica disso? Crer num deus à minha imagem é crer em algo que eu inventei e que, de fato, não existe.

“Você acha o Deus que mandou seu próprio Filho para nos salvar dos nossos pecados e suas consequências cruel? O Deus que deseja verdade, justiça, misericórdia, e amor, que abençoa o matrimônio, a família e a sociedade e condena o egoísmo? O Deus que não tem prazer na morte do perverso e que deseja que ele se arrependa e viva?

“Desculpe-me... seu deus “conveniente”, que não considera e pune o pecado porque lhe convém viver na prática dele, você acabou de inventar. Além de inventado, é injusto, e não inspira nem um pouco a vontade de se tornar uma pessoa melhor, comprometida com ideais de perfeição e santidade. É o deus ideal para que, servindo-o, você se torne cada dia uma pessoa mais sem caráter, sem princípios, sem rumos, e, no fim da vida, talvez, terminar como um monstro que escarnece das virtudes e sobeja o próprio ego por ter apenas alimentado-se de pecado, erros e conveniências a cada dia. Seu novo deus recém-criado, resumindo, é de ‘plástico’.”

Interessante. Eu estava falando dia desses com um amigo sobre a idéia de querermos um Deus justo para punir os pastores ladrões, os políticos corruptos, os adúlteros que destróem famílias – “os grandes pecadores” – mas não queremos um Deus que condene nossos “pecadinhos”... um Deus que não quer que eu baixe MP3 sem pagar pelo trabalho alheio, que não gosta de mentirinhas e fofoquinhas, que não quer que eu gaste meu tempo excessivamente com diversão negligenciando coisas importantes, que não quer que eu imprima textos alheios dizendo que são meus para servir de trabalhos escolares, que quer que eu dê ofertas, esmolas e lute por interesses alheios, coletivos; que não quer que eu enrole as pessoas para fazerem o que eu quero, que quer que eu seja santo por fora e por dentro, que quer que eu seja decente e leal, que quer que eu saiba escutar críticas fundadas contra meus comportamento, que quer que eu prefira os outros em honra e que eu saiba me conformar com o que é certo - mesmo com prejuízo meu.

Nossa idéia de Deus é que ele é bom - é a idéia de todos - mas que ele seja conivente quando sou eu quem faço algo mau. Um deus conveniente para mim, mas implacável para com os outros.

Esse Deus existe? Tem gente que jura que sim.

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