20 de novembro de 2010

Fábrica de Monstros


Semanas atrás, o SBT exibiu uma matéria que tratou de uma menina conhecida por “missionarinha”, que, supostamente, curava pessoas num templo comandado por seu pai, que dizia-se “pastor”. Na reportagem, via-se claramente uma criança utilizada e moldada segundo o modelo imposto e emulado por pessoas religiosas e ávidas por sinais e maravilhas (e dinheiro também?) de que Deus a usaria para realizar prodígios de cura. A criança, em entrevista, dizia perante as câmeras que era “feliz”, que “gostava” do que fazia e que era “uma criança normal”, com um discurso quase que mecânico programado.

O pior de tudo o que foi exibido é que, depois de os declarados instantaneamente “curados” irem à frente – para o êxtase geral dos fiéis que lotavam o templo e, na certa, o gazofilácio daquele ministério também – pudemos observar tristes resultados: uma grande piora no quadro clínico de uma senhora que tinha esporões nos pés, sofria grandes dores e não podia andar direito; e o falecimento de um rapaz por complicações de um câncer que atingia os órgãos internos, que lhe causava dores abdominais e que o havia motivado a buscar sarar-se.

Coisas assim têm um impacto arrasador na fé das pessoas e no testemunho cristão. Assim, entrevistado por Roberto Cabrini, âncora do programa, que buscava explicações para essas sessões de curas que não davam certo, o pastor culpou a fé das pessoas, buscando afastar de si parte da responsabilidade pelas melhoras que não ocorreram. Foi de uma infelicidade funesta. Entretanto, isso não se trata de um evento isolado, mas de algo que já virou "feijão com arroz" no meio dito “evangélico”.

Mas o que tem causado essa busca desenfreada por milagres? De um lado há pessoas carentes que não têm mais a quem recorrer por não terem atendidas as suas orações e buscam qualquer coisa em que se apegar; de outro, pessoas que sabem utilizar essa situação em benefício próprio, incentivando a convicção de que todos obterão tudo o que querem, ignorando e deixando os outros ignorarem os desígnios soberanos de Deus para cada pessoa. Ainda existem aqueles que querem milagres como condição para crer e aqueles cuja fé só se sustenta por aquilo que vê. Temos um sistema de impiedade quase perfeito.

(Alguém aí se lembra dos fariseus que exigiam milagres de Jesus e foram repreendidos por ele? E dos adoradores das bestas prodigiosas do Apocalipse? E dos alertas quanto aos falsos profetas e falsos cristos que fariam sinais para enganar as pessoas? É importante lembrar que "cristos" significa "ungidos". Logo, prezada galera do "não-toqueis-nos-meus-ungidos", nem todo "ungido de Deus" é, de fato, um ungido de Deus, ok? Existe charlatanismo também e sintam-se devidamente alertados por Jesus!)

Há meio que um círculo vicioso em tudo isso, visto que a “fé” (não me refiro aqui à fé bíblica, mas à crença de que tudo vai ser como queremos se tivermos força de vontade: uma filosofia parecida com aquela do livro “O Segredo” que já se instalou há muito tempo no seio de algumas comunidades da igreja) se torna uma droga moral que causa dependência:

“Eu vou à igreja porque Deus vai fazer milagres”, não para escutar a palavra de Deus, servir ou ter comunhão com os irmãos; “eu vou contribuir porque eu quero restituição, quero muito mais do que eu dou”, não porque eu me sinta grato pelo que Deus me deu, pelo que tem feito em minha vida; “eu participo da obra de Deus porque vejo o poder de Deus agindo maravilhosamente”, não porque tenho obrigação de obedecer e servir, ou porque serviço deva ser algo que se brote naturalmente de um coração transformado por Deus; “eu contribuo, participo de campanhas e frequento os cultos porque, se não o fizer, eu posso ser castigado, empobrecido, amaldiçoado ou ver minha situação piorada, também porque eu posso ser mal visto pelos outros crentes e repreendido ou censurado pelo pastor”; “eu espero milagres do jeito que eu quero e quando eu quero justamente porque contribuí e cri, porque já paguei a Deus adiantado” (leia-se: “dei dinheiro à igreja ou aos líderes humanos dela” – vulgo: “semeei”, “plantei uma semente”); “eu não aceito um 'não' como resposta porque agora eu sou ‘filho do Rei’ e ‘decreto’, tenho ‘direitos a exigir’”, não porque o Rei é soberano e eu não, não porque o Rei é Senhor e eu servo...

E assim vamos rolando na esteira de uma linha de produção ideológica de “monstros”, que se autoalimenta de sua própria ambição e orgulho. Monstros criados e mantidos assim não podem ser comparados à igreja de Cristo porque não expressam o caráter e o espírito de Cristo ou de seus discípulos. Os discípulos de Cristo sempre estiveram junto dele por quem ele era, e não apenas pelo que ele fazia. O que ele fazia apenas testificava de quem ele era: o Salvador prometido por Deus, não um milagreiro errante ou um mágico de rua, digo, "de templos". Todavia não é essa a mentalidade que parece prevalecer no meio evangélico. E isto me assusta horrores!

Hoje temos um clube de viciados em sinais, de caçadores de recompensas, vampiros espirituais, mercenários que não se preocupam em arriscar a própria alma... O que me traz à lembrança que...

“Tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” – 1 João 2.16,17.

E que os crentes em Deus (e ilustre-se Deus aqui como: “um grande e forte vento que fendia os montes e quebrava as penhas” + ”um terremoto”  + “um fogo” – 1Reis 19) não estão preparados realmente para crer em Deus (e ilustre-se Deus aqui como: “uma voz mansa e delicada” que diz “Que fazes aqui?”; Ou mesmo como “...O meu escolhido [de Deus]... [Que] promulgará o direito para os gentios. [Que] não clamará, nem gritará, nem fará ouvir a sua voz na praça. [Que] não esmagará a cana quebrada, nem apagará a torcida que fumega; [Que,] em verdade, promulgará o direito. [Que] não desanimará, nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras do mar aguardarão a sua doutrina.” – trechos de 1Reis 19 e de Isaías 42).

O que temos é mais uma multidão que quer encher a barriga de pão e peixe enquanto deixa os aflitos e feridos de lado e que não poderá resistir ao ouvir o Senhor dos senhores dizer-lhes: “Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes... O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida. Mas há alguns de vós que não crêem... Quereis vós também retirar-vos?” – João 6.

Dificilmente encontraremos os bem-aventurados que após ouvirem algo assim dirão: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente.” – João 6.

Será que vamos ter que sair mesmo peregrinando por aí com uma lanterna procurando aqueles que, mesmo no sofrimento e nas maiores dificuldades da vida, sorrirão de felicidade e de gratidão ao Mestre, que, tomando-lhes pelas mãos, sussurra... “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”? – 2Co 12.9.

Se depender do que estamos vendo na prática, porque a lei da oferta e da procura está incentivando a produção de monstros e da "fé monstruosa" a pleno vapor, algum cristão aí me empresta algumas pilhas, por favor?


Por Avelar Jr.

6 comentários:

Paulo Cassiano disse...

triste isso... um dos rapazes entrevistados, supostamente curado, morreu antes de o programa ir ao ar - e o cabrini publicou essa informação...

porém o que mais me entristece é que esse tipo de aberração não pára! os monstros são bem criativos, estão sempre 'se reinventando'. e o povo acreditando...

maranata!

NICODEMOS disse...

Paz seja contigo.

Depois que a igreja passou a fazer uso de merketing para lotar seus templos temos convivido com todo tipo de "produto e serviço" para agradar ao freguês.

É provavel que nas igrejas tenham mais monstros a serviço supostamente de Deus do que em toda a MONSTROS S/A.

Não se supre mais os reais anseios das pessoas , apenas fornecem um fast-food de alguma coisa transgênica que causará cedo ou tard mais vítimas deste câncer que assola as instituições religiosas.

Anônimo disse...

Olá meus irmãos,do blog"Não Obrigado" graça e paz.

Estou passando para informar, que gostei demais deste espaço, pois é mais uma oportunidade de aprendizado. Como sempre falo: Aprendendo uns com os outros crescemos na graça e no conhecimento, do nosso Senhor Jesus Cristo.
Gostaria também de divulgar o nosso Blog,
Ficaremos felizes em vossa visita, mais ainda se seguir-nos.

“ Mensagem Edificante para Alma”
http://josiel-dias.blogspot.com/

Josiel Dias
Conselho Missionário
Congregacional
Rio de Janeiro

Angela disse...

Oi Avelar,
Escrevi tb depois de assistir ao mesmo programa...ficou probrinho perto do seu, mas tá bem legal...se quiser dar uma olhada
http://firmesnapalavra.blogspot.com/2010/10/um-sinal.html

Não esqueça de comentar! rsrs

Avelar Jr. disse...

Nada, Ângela! Um texto simples não é um texto ruim ou de menor valor. O importante é a mensagem que ele transmite.

A vida de Jesus foi simples, a mensagem do evangelho é simples, e nem por isso deixam de ser as coisas mais maravilhosas que vimos e ouvimos nesse universo.

O que mais vemos neste mundo, infelizmente, são mensagens enganosas, e elas vêm cheias de floreios e efeitos especiais.

Grande abraço!

Angela disse...

Verdade...as vezes me falta tempo pra escrever tb...
Seu blog tá na minha lista...sempre q posso dou uma passasdinha por aqui.

Abr,
Angela

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