"Eu lhes afirmo que está
chegando a hora, e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus,
e aqueles que a ouvirem, viverão." João 5.25
Data de protocolo, formulário a ser
preenchido com letra de forma e sem rasuras, entregar em três vias, anexar foto
3x4, assinar três vezes e apor a impressão digital do polegar direito... Todo
mundo já está bem familiarizado com repartições públicas, concursos, editais,
inscrições ou qualquer outra coisa que demanda burocracia. Alguns são tão
viciados nesse tipo de coisa que têm até a sua própria forma burocrática de ver
o cristianismo e a vida cristã.
Quando você se converteu? Quando você
se batizou? Quem são seus pais na fé? Você é membro de uma igreja que batiza
por aspersão ou por imersão? Quem assinou seu certificado de batismo? ...
Espere aí, isso é uma entrevista para emprego? Para um visto de permanência em
país estrangeiro?
Já ouvi muita gente que consegue fazer
um histórico detalhado de sua própria vida cristã. E talvez porque muitos
consigam lembrar detalhes dessas coisas e os mencionam sempre que falam de si,
eu cheguei a pensar que eu precisava mesmo detalhar toda a minha história,
registrar todas as datas para que eu pudesse gozar da certeza de ser
convertido. Às vezes o convívio com pessoas mais aparentemente seguras cria em
nós esta mentalidade meticulosa. E nossos pecados sucessivos pioram as nossas
dúvidas. Se realmente me converti, por que não lembro a data especificamente?
Isso me afligiu por um tempo.
Eu já passei por crises de identidade
assim. Eu não sei em que dia eu me converti de verdade porque para mim isto foi
um longo processo. Não me converti num sistema de reação instantânea em cadeia
do tipo: “pecador-inconsciente-sai-de-casa-um-dia; culto-com-louvorzão;
pregação-emocional; apelo-pelo-amor-de-Deus-alguém-aqui-aceita-Jesus!;
levanta-a-mão-visitante!; olha-ele-igreja!; palmas-glória-a-Deus!;
oração-perdoa-ele!; ele-está-salvo!; pecador-remido-em-casa”.
Pelo contrário. Eu levei anos
observando, questionando e refletindo. Mas lembro que, na minha inocência, eu
achava que levantar a mão e ir à frente numa igreja para dizer que
"aceitei Jesus" era a segunda parte da burocracia necessária para a
salvação que eu achava que havia em Romanos 10.9-10:
"Se você confessar com a sua boca que
Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos,
será salvo. Pois com o coração se crê para justiça, e com a boca se confessa
para salvação."
Tanto que cheguei até a combinar com
amigos crentes para ir aceitar Jesus na igreja deles, muito embora até hoje eu
não saiba se a primeira parte (crer) ocorreu antes ou após o evento (mas meu
palpite é que tenha sido bem antes, né?). De uma coisa eu sou bem certo, apesar
das minhas mancadas e pecados, eu sou cristão.
Alguns pensam que a conversão precisa
ser feita num templo só porque aparentemente a maioria das conversões se dá em
cultos públicos. Mas não podemos conhecer corações de pessoas só porque elas
vão à frente, dão testemunho, se batizam ou atendem a um apelo evangelístico. E
isto justamente porque a conversão é um ato invisível: é uma ação vivificadora
do Espírito Santo na vida de uma pessoa que estava morta em delitos e pecados,
e que estava em franca rebelião contra Deus e sob a ira d'Ele*:
"Mas quando se
manifestaram a bondade e o amor pelos homens da parte de Deus, nosso
Salvador, não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido
à sua misericórdia, ele nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do
Espírito Santo, que ele derramou sobre nós generosamente, por meio de
Jesus Cristo, nosso Salvador." Tito 3.4-6
É difícil para algumas pessoas se lembrarem de quando e como isso aconteceu porque muitas vezes a conversão, como
no meu caso, é um processo difícil de pontuar no tempo. Uma progressiva mudança
de mente, uma crescente atração por Deus, um desapego de tudo por algo maior e
inexplicável. Como podemos sondar o Espírito de Deus e medir seus misteriosos
caminhos em nós?
O fato é que estávamos mortos, e Deus
nos fez acordar para a vida. Simples. De repente começamos a produzir frutos
divinos, mas não sabemos quando eles nasceram ou amadureceram pela primeira
vez. Assim, não importa quando nascemos de novo, pois, sendo a salvação eterna, sua data se perderá no tempo. Que bom que muitas pessoas conseguem se
lembrar do dia em que ouviram a voz do Mestre pela primeira vez! Eu não. O que
sei, com toda certeza, é que eu estava morto, e Sua voz me trouxe vida; e que eu
já não consigo mais imaginar a vida sem essa voz tão doce.
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* Outros
detalhes sobre isso podem ser encontrados na Epístola aos Efésios, capítulo 2.